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Artigo | Desigualdades e pequena política no Ceará

Eleições municipais num cenário de agudas desigualdades sociais e hegemonia da pequena política

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Na capital, Fortaleza, 63% das crianças de 0 a 3 anos estão fora da creche - Divulgação

Inicio minha contribuição, agora de forma mais frequente, com o Brasil de Fato Ceará, sugerindo uma reflexão ao leitor sobre dois temas candentes e indissociáveis da nossa realidade: desigualdade e política. Qual a conexão entre eles? Por que discuti-los? O que você tem a ver com isso? Como podemos ver nos dados abaixo, o Ceará é um estado extremamente desigual:


Desigualdade em números / Pedro Silva

Infelizmente, poderia apresentar inúmeras outras pesquisas e levantamentos que escancaram e justificam a miséria, a violência e a falta de oportunidades que incidem sobre a vida da esmagadora maioria dos cearenses, da capital e do interior.

Essas informações e números expressam o drama da desigualdade em suas mais variadas facetas: concentração de renda; carências educacionais e de saneamento básico; feminicídio e violência contra a mulher; racismo e extermínio da juventude negra e pobre. E o que as eleições municipais tem a ver com esta dolorosa realidade?

Ora, por mais que o poder público municipal - prefeitura e câmara de vereadores - tenha limites orçamentários, políticos e constitucionais para enfrentar os problemas estruturais que atravessam a sociedade brasileira, também é verdade que são nas próprias cidades que encontramos soluções concretas e criativas, que tensionam com as causas e consequências que nutrem e reproduzem essas mesmas desigualdades. Porém, quase sempre, tais ações não têm apoio e incentivo do Estado ou mesmo da inciativa privada para se fortalecerem e ampliarem seu raio de influência. Pretendemos em outra oportunidade tratar delas.

Um dos dilemas cruciais que enfrentamos é que há no Brasil a predominância do que o pensador italiano Antonio Gramsci denominou de pequena política, que dentre outras características, é marcada pela incapacidade ou falta de interesse dos agentes políticos formularem e executarem propostas que dialoguem com as reais necessidades da população. Ocorrendo um empobrecimento do debate público, a manutenção de velhas relações e arranjos de poder e a perda da credibilidade no sistema político e partidário. Porém, o mais curioso, ou não, é que essas consequências fazem parte da própria demagogia e estratégia de consolidação dessa pequena política, pois grupos e setores privilegiados da sociedade se beneficiam e lucram com tais “problemas”.

Neste cenário, ocorrerá mais um processo eleitoral em que serão escolhidos pelo voto popular cerca de 12 mil vereadores e 189 prefeitos nos municípios cearenses. Como é de praxe, uma enxurrada de candidaturas, das mais diversas colorações ideológicas e partidárias, se apresentarão com propostas e promessas em busca do apoio e confiança do eleitorado.

A pergunta lançada é se seu candidato ou candidata é parte e engrenagem da pequena política e do status quo ou se se propõe a ser um porta-voz e sujeito da luta contra as mazelas e desigualdades que assolam vidas e sonhos de milhares de cearenses.

Parafraseando o escritor russo Tolstoi, quando disse que “se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”, alertamos que “se queres mudar seu país, começa por transformar tua cidade”.

*Pedro Silva é sociólogo, professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e militante da Consulta Popular.

Edição: Monyse Ravena