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Coluna

Summerhill, um experimento de democracia baseado em autorregulação

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Alexandre Sutherland Neill e Wilhelm Reich se conheceram em 1936, na Noruega. Se tornaram desde então amigos e assim permaneceram por 20 anos - Reprodução
Em 1960, Neill descreve no livro “Liberdade Sem Medo” o funcionamento da escola e sua experiência

A escola Summerhill foi fundada em 1921, na aldeia de Leiston, Inglaterra, e segue funcionando até hoje, segundo os mesmos princípios de democracia e liberdade que a motivaram em seu início. Trata-se de uma instituição que em breve completará um século de autogestão coletiva baseada na autorregulação individual. Seus fundadores foram Alexandre Sutherland Neill e sua esposa. Atualmente a escola é dirigida pela filha do casal, Zoe.

A ideia em Summerhill é a de educar as crianças em liberdade. Lá não há a obrigatoriedade de cursar disciplinas específicas, não há exames, as regras e rumos da escola são escolhidos em assembleias semanais por todos os seus membros. Os alunos, que frequentam a escola em regime de internato, têm entre seis e dezessete anos.

A instituição está baseada no princípio da “liberdade sem licença”, o que quer dizer que todos gozam de plena liberdade individual, mas não têm o direito de infringir a liberdade dos outros. Esse princípio é salvaguardado de maneira autogestionária a partir das já mencionadas assembleias escolares. Exatamente todos os assuntos da escola são discutidos nessas reuniões, e todas as pessoas da comunidade, desde a mais jovem criança até o mais velho adulto, têm o direito de votar e de ser ouvido. Todos os votos têm pesos iguais. A participação não é obrigatória, mas no geral a comunidade escolar é bastante engajada e responsável.

As aulas não compulsórias estabelecem uma melhor relação com o aprendizado, guiada por interesse próprio, prazer e curiosidade. As crianças têm muito tempo e espaço para brincar. Suas brincadeiras se relacionam com aquilo que é relevante para elas e com seu estágio de desenvolvimento.

Em 1960, Neill descreve no livro “Liberdade Sem Medo” o funcionamento da instituição e sua experiência observando crianças se desenvolverem em um ambiente onde não há reprovação, punição ou controle. Ele conclui, então, que é possível educar crianças de forma e evitar o surgimento da infelicidade.

Neill e Wilhelm Reich se conheceram em 1936, na Noruega. Se tornaram desde então amigos e assim permaneceram por 20 anos. Sua rica troca de cartas foi publicada em um livro chamado “Record of a friendship”. A escola Summerhill tem influências das ideias reichianas a respeito dos benefícios ao desenvolvimento trazidos pela liberdade de ser plenamente quem se é.

A escola tradicional se baseia em uma concepção adulta daquilo que a criança deveria ser ou de como deveria aprender. O cerne de suas atividades é a própria transmissão – na maioria das vezes mecânica – de conhecimentos em grandes quantidades e com alto grau de complexidade e detalhamento. A partir dessa perspectiva, as relações, a convivência com as pessoas, o aprendizado da vida em comunidade se tornam questões secundárias.

Neill tinha a intenção, junto com sua esposa, ao fundarem a escola, de construir uma instituição que se adaptasse às crianças. Para isso eles tiveram que renunciar à disciplina, à direção, à sugestão, ao treinamento moral e ao ensino religioso.

Não é fácil para nós, adultos, praticar essa renúncia ao controle e à crença de que nós temos que ensinar, promover e acelerar o desenvolvimento das crianças. Temos muito medo de que elas fracassem, não temos o hábito de confiar no funcionamento espontâneo de seus organismos como fonte de regulação saudável. Mas Summerhill está baseada justamente na ideia de que as crianças são espontaneamente boas, sensatas e realistas e de que nós, como adultos, só devemos proteger e facilitar seus movimentos e interesses espontâneos.

Cada criança, se for entregue a si própria, se desenvolverá o quanto for possível para ela. Assim, em Summerhill, a criança que quiser e puder ser uma grande intelectual, o será. Do mesmo modo, aquelas que quiserem varrer ruas, o farão. Neill dirá que prefere formar um varredor de ruas feliz do que um erudito neurótico.

A escola segue um currículo tradicional de matérias: Ciências, Matemática, História, Língua Inglesa, Artes, etc. Mas a participação dos alunos nelas é de livre escolha. Só há horários fixos de aulas para os professores.

Neill não considerava o método de ensino o aspecto mais relevante para o aprendizado, pois entendia que se uma criança queria aprender, ela o faria, devido ao seu próprio interesse, independente do método.

O que eles observam nas crianças que podem viver em liberdade, realizando atividades segundo seus interesses, sem medo de serem punidas e sem se sentirem odiadas e rejeitadas pelos adultos – resultado das constantes correções e críticas que elas sofrem dos mesmos –, é que elas desenvolvem autoconfiança, independência e compaixão espontaneamente. Ao mesmo tempo, movidas por uma conexão consigo mesmas que não foi abalada pelo processo tradicional de educação, encontram, quando adultas, um caminho feliz no mundo do trabalho.

“(...)Raramente se ouve uma criança chorar, porque as crianças, quando em liberdade, tem muito menos ódio a expressar do que quando são oprimidas. Ódio gera ódio, amor gera amor. Amor significa ser favorável à criança, e isso é essencial em qualquer escola. Não se pode estar do lado da criança, se a castigamos e repreendemos violentamente. Summerhill é uma escola em que a criança sabe ser vista com aprovação” (A. S. Neill, Liberdade Sem Medo).

Descrição da imagem: trata-se de uma foto em preto e branco. Nela estão, da esquerda para a direita, Wilhelm Reich e A. S. Neill. Ambos estão sentados, fumando cigarro. Na foto podemos vê-los do tronco para cima. Reich está olhando para Neill com um ar sorridente. Neill está acendendo seu cigarro. Ambos tem mais de 50 anos na foto.

Edição: Katia Marko