DA TERRA

Na Venezuela, feira agroecológica cria catálogo online para enfrentar pandemia

Produtores usam redes sociais para expor produtos, trocar experiências e articular entregas em Caracas

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |

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A Feira Conuqueira foi lançada, em outubro de 2012, como uma iniciativa popular de pequenos produtores do Distrito Capital, e estados Aragua e Miranda. - Ministério de Comunas

A feira Conuqueira reúne há seis anos cerca 70 pequenos produtores locais baseados na agroecologia, em um mercado a céu aberto, no parque Los Caobos, região central de Caracas. A palavra conuco se refere a pequenas hortas. Com a pandemia, a feira deixou de ser organizada nos primeiros sábados de todo mês e teve que migrar para as redes sociais. 

Além de articular pequenos produtores e consumidores da Grande Caracas e estados vizinhos, como Aragua e Miranda, a feira busca fortalecer a agroecologia como forma alternativa de produção e vida ao sistema capitalista

"A feira surge como uma resposta da organização popular diante dos transtornos gerados pelo sistema agroalimentar globalizado que nos impõe uma alimentação cheia de agrotóxicos e transgênicos, submetendo produtores e consumidores a um modelo especulativo, no qual o valor do trabalho é capitalizado por monopólios de distribuição de alimento", explica Carmen Pulido, uma das organizadoras da feira.


Além de comprar alimentos orgânicos, a feira sempre oferece um espaço para conversar sobre agroecologia. / Reprodução

Os produtores criaram um catálogo que oferece desde alimentos orgânicos, como aipim, mel, batata, tomate, pimentão e banana-da-terra, até produtos como sabonete e materiais de limpeza.

E, como se trata da Venezuela, não poderia faltar o rum, bebida nacional. Alexander Pereira é arquiteto, mas há cerca de um ano se dedica à produção de rum artesanal.

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Com uma receita simples, a partir da fermentação da rapadura, Alex oferece rum macerado em barris de madeira ou rum branco, com toque cítrico de casca de tangerina ou ervas finas. 

"Ante uma certa carência de boa alimentação, com a situação de guerra que vive o país, conseguimos levantar a feira e com a quarentena, decretada em março, a feira que era realizada mensalmente não pôde ser feita. Por isso, pensamos na possibilidade do catálogo, que permite que as pessoas adquiram a qualquer momento do mês. Isso nos tornou mais ágeis e nos apresentou o desafio de aumentar a produção", comenta o arquiteto. 


Tanto a produção como o envasilhamento do rum são feitos por Alex Pereira e sua família. / Reprodução

Além de criar uma rede de apoio entre pequenos agricultores e pequenos produtores, a feira Conuqueira também é um espaço de aprendizado comum.

"Discutimos em coletivo estratégias para melhorar os espaços produtivos, como aplicação e investigação de técnicas agroecológicas para o aumento da produção, assim como a defesa da semente crioula, como fator principal para garantir nossa soberania alimentar", afirma Carmen, uma das porta-vozes do projeto.    

Contamos com a nossa coesão e capacidade organizativa, com nossa criatividade e vontade para construir o ecossocialismo.

Gabriela Parra trabalha desde 2002 com produtos gastronômicos, oferecendo serviços de buffet e marmitas. Ao conhecer a feira, decidiu se somar à iniciativa preparando seus pratos com produtos orgânicos. 

A cozinheira assegura que cerca de 60% das suas marmitas, molhos e patês são totalmente agroecológicos, alguns, como o choutney de manga, vem da sua própria horta. "Trato de usar a menor quantidade de processados industriais, por exemplo, as arepas eu faço de aipim, ao invés de usar milho processado", comenta Parra.

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Molho de beterraba, choutney de manga, molho tártaro e pasta de beringela são algumas das opções no cardápio de Gabriela Parra. / Reprodução

A migração para as vendas online exigiu com que muitos criassem uma identidade visual, para propagandear as mercadorias que antes eram oferecidas presencialmente no centro da capital. O uso da tecnologia terminou impulsionando novas mudanças.

Gabriela Parra por exemplo, passou a aceitar transferências bancárias e também em criptomoedas. "Por conta da situação do país há um tempo passamos a usar as criptomoedas e não só isso senão outras formas de intercâmbio, como trocas por outra mercadoria ou serviço", conta.

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O equilíbrio entre a capacidade de produção e a demanda de matéria-prima é algo que os próprios conuqueiros buscam alinhar. E esse não é o único desafio. O transporte e as restrições da mobilidade são outros fatores que aumentam a incerteza da capacidade de compra e distribuição.

Para Gabriela Parra, o bloqueio, os apagões de 2019, assim como a inconstância da oferta de serviços como água e luz – reflexos da guerra econômica contra o país – fizeram com que os venezuelanos aumentassem sua capacidade de inventar e resistir.

"Em tempos de pandemia já sabemos que temos que buscar a maneira de transformar para fluir, porque já entendemos que temos a capacidade de nos reinventar e fazer com que tudo funcione com a mínima oferta de recursos", comenta.

Carmen Pulido também destaca que, mesmo com as dificuldades, o processo de aprendizado coletivo é o que se fortalece.

"De uma forma ou de outra sempre conseguimos manter a produção e distribuição dos nossos alimentos. Contamos com a nossa coesão e capacidade organizativa, com nossa criatividade e vontade para construir o ecossocialismo", finaliza Carmen Pulido.

Edição: Rodrigo Chagas