Rio Grande do Sul

OPINIÃO

Artigo | Escuridão maior

Crônica repercute debate recente com o deputado gaúcho pelo PSL Bibo Nunes

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Bibo Nunes numa de suas intervenções na Câmara dos Deputados - Bruno Peres

No último fim de semana, em debate com Guilherme Boulos (PSOL/SP) e Cristóvam Buarque (PPS/DF) transmitido pela GloboNews, o deputado Bibo Nunes (PSL/RS) causou vergonha a uma parcela dos gaúchos, demonstrando um despreparo proporcional ao despreparo do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub.

Fugindo das perguntas feitas e dos temas que lhe eram propostos, invocando argumentos circulares e simplórios, atacando debatedores e negando a realidade que se apresenta a todos, a performance do senhor Bibo Nunes repercutiu nas redes sociais.

Em alusão ao episódio, fiz um post no Facebook. Meu post dizia:

“E o Bibo Nunes, hein? Existe escuridão maior?”

Poucos minutos depois, um velho amigo de infância, que não vejo há muito, intercedeu:

“Tem vários piores... Gleisi, Lindeberg, Maria do Rosário, o filho do Dirceu, o Pimenta, o companheiro do Glenn, o restante do PSOL e do PT.”

“Meu caro amigo”, respondi, “está ficando difícil seguir defendendo o Bozo, Bibo, Queiróz e seus asseclas. Esse, aliás, é o estágio que antecede o terraplanismo. Se tiveres um lapso de maior racionalidade – para além da vala comum do antipetismo dogmático – será aqui muito bem-vindo.”

Minutos depois, ele voltou à carga:

“Calma... Deixa a tua raiva para os teus... Eu sei que, lá no fundo, dói, meu amigo. É igual ao Covid: não tem vacina conhecida para petista. Eu, diferentemente, sou livre para votar, inclusive já votei no Lula. Mas não sou doente de continuar defendendo-o, assim como você. A tua certeza é ser contra tudo o que vem deste [atual] governo. Eu – livre de pré-conceitos – posso elogiar ou criticar qualquer [um], independentemente se é de direita, de centro ou de esquerda. Liberte-se enquanto é tempo!”

“Não há raiva alguma, caro amigo”, não me contive e dei continuidade. “Só lamento que utilizes os padrões argumentativos de sempre: primeiro, empurrar o debatedor para um campo ‘típico’ da esquerda ou de um petismo mítico e sempre demonizado, entendido como um todo só, homogêneo, fechado e totalizante; segundo, atribuir a si mesmo a condição de um voto ‘livre’. São dois modos de equivocar-se redondamente: é ridículo atribuir a mim essa condição de ‘petista identitário’, ‘de carteirinha’, bem como é ridículo considerar-se mais ‘livre’ do que qualquer outro que tenha percepção discordante. Sem falar no contrassenso que é dispor dessa (gasta) retórica para justificar ou remediar as práticas antidemocráticas e paraestatais hoje vigentes no Palácio do Planalto [como agora vem à tona]. ‘Liberte-se enquanto é tempo!’”

Passaram-se alguns minutos. Num post seguinte, acrescentei:

“Também me chama a atenção, parceiro, que você se coloque, dentre nós dois, como aquele que se vê mais plenamente ‘livre’ e, no entanto, utiliza essa suposta liberdade para votar no Bozo ou defender tipos lamentáveis como o Bibo Nunes. Ou seja: é reivindicar a liberdade para colocá-la na lata de lixo, dar-lhe o pior uso possível. Sem falar nas demais dimensões desse mesmo paradoxo, como é o fato de sentir-se ‘livre’ apoiando um presidente intervencionista, de vocação retrógrada e francamente autocrática. É engraçado, de tão incongruente.”

Meu amigo demorou um pouco. Em seguida, respondeu:

“Onde é que eu defendi o Bibo Nunes? Ele é a Gleisi de 2020. Só vocês não entenderam. É uma lavagem cerebral de décadas. Quando o chefe toca o berrante vermelho, vem todo o gado e começa a repetir: ‘genocida!’, ‘homofóbico!’, ‘fascista!’, ‘racista!’ e etc. Quer gado maior do que esse?? Eu não apoio o Presidente, apoio o Brasil nas questões que – [considerando a] experiência que tenho de Estado e de vida – entendo mais corretas. Não importa se [a ideia] é de esquerda ou de direita. Eu não sou movido pela tua cegueira. Esse negacionismo ([eita] palavrinha da esquerda moderna) que você verbaliza é de dar dó, preso aos bancos escolares da faculdade e do pseudo-jornalismo. Quem fala [aquilo com] o que tu não concorda é fascista. É uma lógica binária, rasteira. Pra terminar: me mostra a tua camiseta de antifa... Vai...”

“Que ‘lavagem cerebral’?”, lhe perguntei. “Que ‘chefe tocando berrante vermelho’, meu caro? É piada isso? Teu apoio ao Brasil, como temos visto, não está ajudando muito. Pelo contrário, está atrapalhando o nosso país como nunca. Tua experiência de vida e de Estado, sendo assim, precisariam ser um pouco mais polidas, eu já posso imaginar. Isso nos faria bem. E posso colocar, sim, minha camiseta de antifa – se você insistir, para facilitar a compreensão do cenário todo –, desde que tu, claro, também coloque a tua [camiseta] pró-fascista, teu terno de patriota.”

“Mordeu a isca”, ele me disse. “Todo petista, quando contrariado, chama o discordante de fascista. É a velha ‘pluralidade de ideias’ [da prática] universitária. Valeu, colega! Até mais [ver].”

“Meu caro”, dei continuidade, “você trouxe, a partir do meu post – basta conferir acima –, a menção ao PT, às polarizações (e generalizações) usuais que têm inviabilizado qualquer debate político produtivo. E agora, num recuo ardiloso, não se responsabiliza pelas posições que assumiu, pelo modo como enquadra qualquer questão. (...) Respondendo na mesma moeda (tua), eu te diria: ‘Todo fascista quando contrariado chama o discordante de petista’. Suspeito, aliás, que você tenha votado mais vezes no PT do que eu. Não entendeu nada antes. Segue sem entender nada agora. E o que é pior: segue empurrando qualquer opositor para uma identidade fixa. Sempre desconfio quando vejo alguém argumentar em nome da pátria, como se isso lhe desse alguma superioridade moral; sempre desconfio quando vejo alguém argumentar lançando mão de sua suposta ‘experiência’ (o que sempre desemboca numa desvalorização irônica dos ‘bancos escolares’); sempre desconfio quando alguém começa a retorcer o discurso (obscurecer ou mudar o sentido das palavras). Sabe por quê? Porque são traços daquela palavra iniciada em “F” que não vou pronunciar apenas para te deixar pensando. E esses sintomas não foram nem inventados nem referendados pelo PT, já que essa é a base para teus comentários e para tua percepção política do mundo.”

A conversa terminou por aí. Ao menos por enquanto.

Qual é a minha conclusão disso tudo? Ocorre do seguinte modo: 1) o sujeito (hipotético) impõe a polarização petismo x antipetismo; 2) traz qualquer tópico para o âmbito de uma generalidade equivalente; 3) faz deslizar o sentido das palavras (e joga com isso); 4) acusa no outro aquilo que ele próprio faz (num tipo de espelho); e 5) diz que não faz o que está, de fato, fazendo. Essa é a pedagogia retórico-política dos últimos anos no país de Bolsonaro.

Além disso, ele fala em nome 1) da pátria, 2) da experiência e 3) da liberdade – sem suspeitar que as motivações de seu opositor podem não ser muito diferentes dessas, muito embora o opositor possa não achar justo apelar para esse tipo de argumentação moral e chantagista, porque lhe parece algo apelativo, indigno e simplificador. E, por fim, o sujeito (hipotético) faz essa ginástica toda para – implícita, secundária ou indiretamente, tanto faz – defender o Bibo Nunes ou justificar, sem assumir, os equívocos históricos de um governo negligente e beligerante. E nem vou mencionar que esse sujeito (hipotético), comportando-se desse modo – para muito além de um caso em específico –, é um sujeito instruído, de bom coração e bom nível social, que poderia se permitir – talvez em nome do país e da pluralidade de ideias que todos julgam dignos de defesa – puxar o nível um pouco mais para cima e apostar sem medo numa escuridão menor.

 

* Fabrício Silveira é professor universitário

 

Edição: Marcelo Ferreira