Rio Grande do Sul

Coluna

O bem simbólico que produzimos alimenta espíritos saudáveis

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A Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz produz Arte Pública há mais de 40 anos - Pedro Isaias Lucas
A aprovação da Lei Aldir Blanc foi uma vitória dos/as trabalhadores/as da Cultura e da Democracia

No último dia 26 de maio foi aprovada na Câmara dos Deputados a Lei de Emergência Cultural. Isso por si só, seria algo a comemorar, muito embora saibamos que outras importantes batalhas virão até que vençamos essa guerra por uma renda básica para artistas e espaços culturais independentes.

Pra deixar mais claro o conteúdo da referida Lei, devo dizer que ela vai garantir um recurso de R$ 3 bilhões para a Cultura e que serão distribuídos de forma descentralizada, garantindo que trabalhadores das Artes e da Cultura de todos os cantos desse país tenham acesso a esse recurso. Para dar uma ideia do que isso significa o Rio Grande do Sul poderá receber R$ 69,7 milhões.

O texto aprovado é resultante de diversas propostas legislativas, anexadas ao PL 1.075/20, de autoria de Benedita da Silva (PT-RJ), Maria do Rosário (PT-RS), Fernanda Melchionna (PSOL-RS) e toda a sua bancada na Câmara e outros parlamentares. A relatoria, magistral, foi da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), com ampla participação do setor cultural.

Mas voltando ao primeiro intuito desta que vos fala, queria dizer que a vitória na Câmara tem um sentido ainda maior e mais amplo.

A sessão de votação da então Lei de Emergência Cultural a transforma em “Lei Aldir Blanc”, grande compositor brasileiro, autor de clássicos como o “O Bêbado e a Equilibrista” canção que serve tão bem aos dias atuais, que nos deixou recentemente e que, como todos os grandes brasileiros que morreram nestes últimos meses, não teve nem por parte do governo nem por parte da esvaziada Secretaria Especial de Cultura, nenhuma palavra lamentando tão grande perda. Ouvir o seu nome ecoando naquela Casa, umas das nossas caras instituições democráticas, garantiu as primeiras lágrimas.

E, não paramos por aí, deputadas e deputados de todos os partidos se revezaram em pronunciamentos em defesa da Lei em falas absolutamente respeitosa sobre as trabalhadoras e trabalhadores da Cultura.

E eu não poderia deixar de falar, do time de mulheres que se reuniu em torno dessa Lei: Benedita da Silva, Jandira Feghali, Fernanda Melchionna, Maria do Rosário entre outras. As mulheres, as mulheres, sempre as mu-lhe-res. Suas colocações nessa sessão foram de arrepiar. E o nosso, Vladimir Maiakóvski, sempre abrindo nosso peito como uma quilha corta a onda, veio como cereja deste bolo republicano e democrático. A segunda grande mulher que escolhe esse poema, Dilma Rousseff e agora essa outra gaúcha Melchionna.

Esquerda, direita e centro reconhecendo estes trabalhadores. Foi de lavar a alma. Tivemos uma das sessões mais republicanas da Câmara Federal, coisa que a tempos não se via. Uma comunhão entre diferentes por um bem maior. Foi muito emocionante. Como explicar o que se passava aqui no peito dessa operária da Cultura que fui e sou, como muitas companheiras e companheiros meus?

Nesse projeto, que está em curso em nosso país, que vem realizando um verdadeiro desmonte geral. A promoção do ódio à Cultura e seus agentes diretos têm sido estratégia recorrente. Vivemos um período em que, não raro, somos tratados de forma violenta e indigna, como se não fossemos brasileiros e tampouco trabalhadores.

Tivemos que dedicar tempo e esforço pra chamar a atenção da sociedade pra essa aberração. Não somos estrelas, não temos dinheiro na Suíça e tampouco aceitamos a pecha de mamadores de teta. Somos trabalhadoras e trabalhadores das Artes e da Cultura. E precisamos sobreviver como qualquer outro brasileiro. Também por isso deparar-se com essa linda sessão, foi muito mais do que vencer uma votação. Votação para qual, diga-se, nos articulamos e empenhamos do Oiapoque ao Chuí. Procurando deputadas e deputados, informando a população sobre o conteúdo da Lei. O meu desejo sincero é que o respeito permaneça, que assim seja daqui pra frente, nenhum passo atrás. Trabalhadores das Artes e da Cultura estão impossibilitados de trabalhar e sem perspectiva de retorno, e também precisam comer.

Nosso trabalho, no entanto, constituí uma outra espécie de vitamina, não menos importante, sobretudo no que diz respeito a emancipação humana. É através da Cultura que podemos pensar em verdadeira cidadania. O bem simbólico que produzimos alimenta espíritos saudáveis.

Na última semana tive a felicidade de participar de uma live com Amir Haddad, criador do Tá na Rua, parceiros de longa dada da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, ambos produzindo “Arte Pública” há mais de 40 anos. Nesta ocasião, falamos sobre as diferenças entre a ideia de pátria, país e nação. E a conclusão é que somente podemos construir uma nação através da Cultura e seus inúmeros desdobramentos humanos e afetivos.

Deixo aqui, na íntegra o poema citado por Dilma Rousseff em seu último discurso depois do Golpe de 2016 e por Fernanda Melchionna na sessão de votação da Lei Aldir Blanc em 26/05/2020.

"E então, que quereis?"

de Vladimir Maiakóvski (1893-1930)

"Fiz ranger as folhas de jornal

Abrindo-lhes as pálpebras piscantes.

E logo

De cada fronteira distante

Subiu um cheiro de pólvora

Perseguindo-me até em casa.

Nestes últimos vinte anos

Nada de novo há

No rugir das tempestades

Não estamos alegres,

É certo,

Mas também por que razão

Haveríamos de ficar tristes?

O mar da história

É agitado.

As ameaças

E as guerras

Havemos de atravessá-las.

Rompê-las ao meio,

Cortando-as

Como uma quilha corta

As ondas."

Confira aqui a live desse encontro histórico Tá na Rua e Ói Nóis Aqui Traveiz

 

 

 

Edição: Katia Marko