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Coluna

Encouraçamento: a distorção do organismo causada pela repressão

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"Uma das principais funções do encouraçamento é consumir a angústia gerada pela repressão dos impulsos naturais de satisfação orgástica e de descarga e expressão emocional" - Ilustração: Caio Borges
Descobertas Reichianas que podem mudar o mundo

Wilhelm Reich descobriu que a repressão da sexualidade natural e da possibilidade de expressividade emocional espontânea perpetrada no seio de nossa sociedade em nome da educação e da civilização será o principal fator responsável pelo que ele chamará de encouraçamento.

O processo de encouraçamento pode ser definido como uma transformação permanente (crônica) e inconsciente do organismo que ocorre como uma resposta à repressão e como uma forma de proteção tanto contra os impulsos que serão reprimidos quanto contra as ameaças do mundo. Ela se manifesta no nível da personalidade – dando origem ao que chamamos de couraça de caráter – e também em nível corporal (somático) – produzindo as couraças musculares, que são contrações crônicas de músculos ou grupos de músculos do corpo.

Reich dirá que as couraças de caráter e as couraças corporais são funcionalmente idênticas. Isso quer dizer que ambas são expressões, em níveis distintos do funcionamento do organismo, de um mesmo processo de repressão biológica.

Uma das principais funções do encouraçamento é consumir a angústia gerada pela repressão dos impulsos naturais de satisfação orgástica e de descarga e expressão emocional – o choro de tristeza, o grito de raiva, os tremores de medo são exemplos de expressões emocionais mal vistas em nossa cultura que se tornam, portanto, objeto de “educação”.

Reich descobriu que a excitação do organismo pode se manifestar nos genitais como sexualidade e também na forma de emoções. Quando essas vias de expressão da excitação são bloqueadas, ela se desloca para o sistema cardíaco, sendo percebida como angústia. Para não lidar diretamente com a angústia, as pessoas investem a energia da excitação em modos de comportamento ou em contrações musculares.

Assim, por um lado, temos a formação do caráter. Este pode ser definido como o conjunto de comportamentos característicos de uma pessoa: o jeito de andar, a expressão facial, a postura, a maneira de falar, de perceber, e as suas formas típicas de reação.

Se repararmos bem, nossas formas de comportamento no mundo são relativamente repetitivas e constantes e por isso podemos dar a elas a qualidade de encouraçadas. Essas maneiras de comportamento se formaram ao longo de nosso desenvolvimento e são o resultado de nossas respostas ao processo de repressão dos impulsos biológicos em nós.

Somos extremamente identificados com o nosso caráter e o defendemos usando argumentos “racionais”: “Eu sou assim mesmo”; “Essa é minha essência”; “Isso é de família”, etc. Podemos, por exemplo, falar de pessoas severas, envergonhadas, nobres, subservientes, orgulhosas ou temperamentais. Reich descobriu que essas características são apenas diversas formas de encouraçamento dos indivíduos. Pode existir tanta angústia por trás do comportamento excessivamente bem educado de uma pessoa quanto por trás de reações grosseiras e brutais de outra.

Por outro lado, temos a formação de contrações permanentes de nossa musculatura, que provocam alterações em nossa postura e no funcionamento fisiológico espontâneo – restrição da circulação sanguínea, diminuição da capacidade respiratória devido à contração crônica da parede abdominal e do diafragma, diminuição da oxigenação são exemplos.

Reich descobriu que as emoções são eventos biológicos: elas são reações ao ambiente marcadas por alterações fisiológicas da temperatura corporal, dos batimentos cardíacos, do ritmo respiratório. Assim, a repressão emocional e sexual implica em uma modificação em toda essa cadeia espontânea do funcionamento do organismo. Reich dirá que a rigidez somática será o maior representante do processo de repressão. Assim, endurecemos nosso corpo para não sentir, para não entrar em contato com nossos impulsos básicos ou com o próprio processo de repressão dos mesmos.

Todo esse processo de que falamos até agora também tem a função de consumir e ocultar os impulsos de ódio destrutivo que se formam a partir da frustração dos impulsos naturais. Assim, tanto o amor, a sexualidade e a expressividade emocional, quanto o ódio gerado pela supressão desses impulsos originais, quanto a angústia gerada pela frustração do amor e pela inibição do ódio são afastados da consciência e mantidos sob controle a partir do enrijecimento de nossa personalidade e de nosso corpo.

Para reprimir os impulsos acabamos por restringir nossa mobilidade psíquica a partir de um funcionamento automático. Acontece que eliminar esses impulsos de nossa consciência prejudica nossas atividades como um todo, limitando nossa capacidade de adaptação ao ambiente (porque nossas respostas passam a ser repetitivas), nossa capacidade de trabalho e de movimento no mundo, gerando medo das reações espontâneas e de nossas sensações corporais, além da incapacidade para encontrar satisfação. Os graus de encouraçamento variam de pessoa para pessoa.

Esse conjunto de alterações de nosso funcionamento acarreta, além dessas, outras consequências catastróficas para o indivíduo e para a sociedade. É o que veremos na próxima coluna.

Descrição da imagem: ilustração representando a expulsão de Adão e Eva do paraíso. Um anjo segurando uma espada em frente à árvore proibida, com olhar severo, sinaliza para que Adão, envergonhado e com as mãos no rosto, e Eva, com olhar de arrependimento, vão embora. A serpente está na imagem perto de Eva.

Edição: Katia Marko