Coluna

O Brasil depois da rinha entre lavajatistas e bolsonaristas

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O ex-ministro Sergio Moro acusou Bolsonaro de tentar interferir nas investigações da Polícia Federal com interesses políticos e pessoais - Evaristo Sá / AFP
Sem Moro, Bolsonaro se afasta de setor expressivo da classe média e se agarra ao bolsonarismo raiz

Poucas horas depois da edição semanal do Ponto chegar na sua caixa do correio, como você já sabe, o outrora superministro Sergio Moro, detentor de alta popularidade e sempre associado à operação Lava Jato, deixou o governo.

Apesar de esperada, o que surpreendeu foi a forma como Moro saiu: atirando. Acreditamos que o teor geral da edição de sexta (24) se mantém, mas decidimos fazer uma edição extra para atualizar o que aconteceu de lá para cá. E o que pode acontecer depois da rinha aberta entre lavajatistas e bolsonaristas.

1. Moro e o ventilador ligado. O pedido de demissão de Moro era esperado, o que surpreendeu o mundo político foi a forma. O ex-ministro acusou Bolsonaro de tentar interferir nas investigações da Polícia Federal com interesses políticos e pessoais.

O Jornal Nacional de sexta-feira (24) foi praticamente um Arquivo Confidencial do Faustão sobre o ex-ministro. Sobre a cobertura da imprensa, chama a atenção como a esquerda vem sendo ignorada para comentar a crise. Por usa vez, Bolsonaro respondeu com frases que poderiam estar numa live de sertanejo e acusou Moro de agir apenas motivado por vaidade e de barganhar uma vaga no STF.

A polêmica foi amplificada com a divulgação de prints do celular de Moro com a deputada Carla Zambelli (PSL), de quem foi padrinho de casamento. Também ganhou força a hipótese de que a demissão de Maurício Valeixo da PF esteja relacionada às investigações que apontam que Carlos Bolsonaro (surpesa!) está à frente dos ataques digitais contra o STF.

Ou ainda que o esquema de rachadinha do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, mediado pelo ex-policial Fabrício Queiroz, financiou a construção de prédios irregulares da milícia na zona oeste do Rio de Janeiro. Os dados mostrariam que o hoje senador receberia o lucro do investimento dos prédios, através de repasses feitos pelo ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, e por Queiroz.

Quem começava a intervir na questão fundiária da zona oeste do Rio e, por isso, teria sido executada? A vereadora Marielle Franco. Além das investigações que podem prejudicar os filhos, Bolsonaro também cobrava investigações contra Maia, Dória e Witzel.

Voltando à saída de Moro, subiram para 27 os pedidos de impeachment protocolados na Câmara. É possível que outros surjam nesta semana, partindo de entidades e partidos políticos. Neste domingo (26), deputados petistas conseguiram 175 assinaturas necessárias e protocolaram o pedido da “CPI do Moro”.

Enquanto isso, o até então engavetador-geral da República, Augusto Aras, pediu autorização ao STF para investigar as declarações de Moro, que podem tanto esclarecer as acusações contra Bolsonaro como também explicar por que Moro ficou calado durante todo esse tempo.

2. Racha na direita. De imediato, a separação altera a natureza do bolsonarismo. Sem Moro, Bolsonaro se afasta de um setor expressivo da classe média, como já se mede pelas redes sociais, e se agarra unicamente ao bolsonarismo raiz, que aliás já atualizou o seu panteão de traidores e as palavras de ordem para incluir o ex-ministro.

Outra leitura aponta que, embora perca seu apoio junto à classe média lavajatista, Bolsonaro poderia ampliar seu apoio junto ao eleitorado mais pobre. De qualquer forma, o presidente volta ao patamar de popularidade que tinha “antes da facada”, na avaliação de José Roberto Toledo, na Piauí, que aponta três erros cometidos por Bolsonaro: abriu mão de metade de sua base política, deu brecha para ser investigado pelo Congresso e criou um rival eleitoral à altura.

O atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, deve assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública, e o atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência, Alexandre Ramagem, deverá assumir a direção-geral da Polícia Federal. Ambos com relações de amizade com os filhos de Bolsonaro.

Quanto a Moro, desembarcou de um governo que vinha o tornando cada vez mais minúsculo, em tempo de continuar sendo o candidato ideal para o “bolsonarismo sem Bolsonaro” que tanto sonha a direita.

3. E agora, Jair? Como o Brasil não é para iniciantes, poderíamos supor que a conjuntura mudou rapidamente e o melhor seria deletar e esquecer nossa edição 87, enviada na sexta. Não necessariamente. Apesar do símbolo que é a saída de Moro do governo, as hipóteses permanecem válidas.

A situação de impasse estabelecida antes da demissão continua, ainda que as peças tenham se movido mais rápido. Parte da Câmara ainda não decidiu embarcar na ideia do impeachment e por isso o movimento de Bolsonaro em direção ao Centrão, e vice-versa, deve justamente acelerar por conta disso. Neste fim de semana, noticiou-se, por exemplo, que deve ser entregue o comando do Banco do Nordeste  para Arthur Lira (PP).

Já o Congresso não abre um processo de impeachment sem certeza de que irá vencer. Originalmente, o plano de Rodrigo Maia era eleger seu sucessor para só aí iniciar o impeachment de Bolsonaro no próximo ano. Hoje, Maia não se sente seguro para a iniciativa e, chama a atenção Igor Gielow, na Folha, a peça-chave agora seria Moro, detestado por boa parte do Parlamento, que não estaria disposto a catapultar a candidatura do ex-ministro.

Antes disso, Maia deverá abrir uma CPI ou outra forma de ouvir novamente Sergio Moro e ter provas cabais das acusações. Porém, não haverá CPI ou impeachment sem a possibilidade dos deputados discursarem emocionados e indignados, dedicando voto à família e à base eleitoral. É preciso também calcular o apoio popular: a reprovação de Bolsonaro não significa necessariamente um apoio ao impeachment, mas pela primeira vez a pesquisa do Atlas Político aponta que o apoio ao impedimento de Bolsonaro virou majoritário entre os eleitores.

Um outro caminho para o impedimento seria via Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento de um eventual crime comum: acolhido o pedido de inquérito enviado na sexta pela PGR, Bolsonaro poderia ser afastado por 180 dias caso o Congresso autorize o STF a julgar o processo. Foi o que Temer conseguiu evitar, e talvez seja este um dos motivos para Bolsonaro tentar recompor sua base no Congresso distribuindo cargos entre o centrão, fazendo cálculos sobre o tamanho da base e entrando definitivamente no modo impeachment.

Enquanto isso, o Ministério Público Federal abriu dois procedimentos de investigação de Bolsonaro por indícios de violar a Constituição ao interferir em atos de exclusividade do Exército pela revogação de três portarias sobre monitoramento de armas e munições. É interessante observar ainda qual será o comportamento da Polícia Federal, que há tempos goza de certa autonomia de quem quer que esteja ocupando o Planalto e agora pede que essa independência seja formalizada.

A PF vai se submeter ao Planalto ou operar contra ele? E os militares? Apesar de decepcionados com a forma como se deu a exoneração do diretor da PF e a demissão de Moro, não estariam dispostos a abandonar o que consideram uma missão. Por fim, o mercado financeiro observa, torce o nariz, mas ainda não desembarcou do Bolsonarismo.

Por isso, surpresa mesmo nos próximos dias só o destino de Paulo Guedes. Fritado na semana passada, perdendo seu posto de confiança no centro de governo e vendo o “Plano Marshall” dos militares solapando seus sonhos, fica a dúvida se a queda de outro ex-superministro ocorreria agora.

4. Enquanto isso, nos hospitais. No dia 26 de março, nove dias depois do primeiro registro oficial de óbito no país, o Brasil contabilizava 77 mortos pelo novo coronavírus. Neste domingo, um mês depois, já são 4205 óbitos. O Brasil já é o quarto país com maior número de novos casos por dia, atrás apenas de Reino Unido, Rússia e Estados Unidos.

Sempre lembrando que os dados oficiais são menores que os reais dados, devido à subnotificação dos casos. As mortes por coronavírus avançam sobre a periferia de São Paulo, expondo a face cruel da desigualdade social brasileira, e um grande cemitério do extremo sul da capital paulista trabalha para a criação de 2,5 mil novas covas nos próximos dias. No Norte, a doença chega à “cidade mais indígena do Brasil”, São Gabriel da Cachoeira (AM), porta de entrada para a região onde vivem 23 povos indígenas.

Enquanto isso, secretários estaduais de Saúde tentam há dez dias uma reunião com o novo ministro, Nelson Teich, que além das declarações evasivas dá total pinta de que é tutelado pelos militares. Nem tudo é cortina de fumaça, mas neste caso, a crise política instaurada por iniciativa do próprio Bolsonaro também revela que, desde o começo, ele se nega a assumir a responsabilidade por enfrentar uma pandemia que já matou mais de quatro mil brasileiros em menos de 45 dias.

Na visão do filósofo Marcos Nobre, além do componente diversionista na criação de uma crise política em meio à crise sanitária, a forma como Bolsonaro (não) enfrenta a pandemia mostra que seu método é de permanente confronto com o sistema.  

Obrigado pela leitura, boa semana, permaneça em casa continue recomendando a inscrição na newsletter e nos vemos na sexta-feira, com a edição regular.

Edição: Leandro Melito