Inimigo comum

Jornada de Agroecologia na Bahia debate importância da terra e da unidade dos povos

Evento aconteceu em território indígena da Chapada Diamantina e reuniu diversas comunidades e movimentos

Brasil de Fato | Chapada Diamantina (BA) |

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Integrantes das comunidades chegam em caminhada para a Jornada
Integrantes das comunidades chegam em caminhada para a Jornada - Foto: Iago Aquino/Agência EQV

Terra, território, autonomia alimentar e construção do bem viver na comunidade. Esses foram alguns dos principais temas de discussão na VI Jornada de Agroecologia da Bahia, promovida pela Teia dos Povos em Utinga, na Chapada Diamantina.

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O evento, que terminou no domingo (20), aconteceu pela primeira vez em território indígena, do povo Payaya e reuniu, em quatro dias, mais de 4 mil pessoas, segundo a organização, com a presença de lideranças camponesas, quilombolas, indígenas, povos de terreiro, extrativistas, pescadores, núcleos do movimento negro urbano, professores, estudantes universitários e especialistas em agroecologia de várias regiões do estado.

“Hoje acreditamos que tecer o bem viver é algo que só se faz com luta, organização, resistência, autonomia, soberania. Tem sido a ancestralidade nossa grande conselheira e nos tem ensinado que ser forte é saber por que estamos lutando”, afirmaram os participantes na carta final do evento.

“Está evidente que esta conjuntura nos faz um apelo à unidade, pois nossos mortos são mulheres, negros e indígenas. Há uma grande arquitetura da morte, eles lucram com nossos corpos em projetos do agronegócio, encarceramento de negros e indígenas, militarização e privatização do sistema de segurança pública, militarização e fechamento de escolas, megaprojetos de desenvolvimento que saqueiam nossos territórios e nos impedem de existir.”

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Roda de conversa durante a Jornada de Agroecologia, que pela primeira vez aconteceu numa terra indígena (Foto: Foto: Iago Aquino/Agência EQV)

O documento faz um apelo à unidade entre os povos, um dos principais motes da articulação da Teia, criada em 2012:

“Em outras palavras: nós temos um inimigo em comum. Nossos antepassados fizeram alianças em tantos outros contextos de guerra e nos deram a condição de estar aqui hoje. A força que emanamos na Chapada Diamantina também emerge da energia ancestral que transborda entre rios, lajedos e matas, pulsando nos trabalhos de evocação da jurema, encantados, caboclos, mikisis, orixás e voduns, reforçando a resistência política da luta dos povos que através do ubuntu e do bem viver enfrenta a colonização das mentes, dos corpos e territórios”.

Entre os participantes da jornada, estiveram o Movimento Sem Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Reaja ou Será Morto, Movimento de Luta pela Terra (MLT), Movimento de Pescadoras e Pescadores Artesanais do Brasil, Movimento dos Trabalhadores Assentados, Acampados e Quilmbolas (CETA), Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB), bem como representantes dos povos indígenas da Bahia – Pataxó, Tupinambá de Olivença, Pataxó Hã-hã-hãe, Kiriri – e de outros estados, como Kariri-Xocó (AL), Guarani (RS), Fulniô e Pankararu (PE), Kayapó (PA).

Iniciadas sempre por místicas, torés e outras manifestações, as atividades abordaram assuntos diversos, em torno do tema central “Terra, Território, Águas e Ancestralidade – Tecendo o Bem viver”, abrangendo de técnicas da agroecologia a questões ligadas à saúde, educação e gestão dos territórios, da água e dos conhecimentos tradicionais.

“A palavra terra é marcante e revitalizante”, disse, durante o evento, o professor José Maria Tardin, um dos convidados para discutir o tema da agroecologia.

Tardin é gestor e educador na Escola Latino-Americana de Agroecologia (ELAA), mantida pelo MST no Paraná, e organiza desde 2001 as Jornadas de Agroecologia nesse estado.

“A terra é tudo o que meu povo tem”, afirmou Maria da Conceição, representante do MPA e liderança do quilombo Engenho da Ponte, situado no Recôncavo Baiano, destacando a importância do cuidado com os recursos naturais e com o território.

“Precisamos de uma epistemologia centrada na vida da natureza, no cotidiano laboral do campesinato”, disse o agrônomo Adeodato Menezes, que há 20 anos pratica agricultura biodinâmica na região da Chapada, no plantio de café.

Além dos debates, o evento contou com oficinas, como “Feminismo e Agroecologia” e “Calendário Lunar Biodinâmico”, rodas de conversa e uma caminhada até o rio Utinga, importante ponto de referência simbólica para os Payayá. Uma Feira da Agricultura Familiar e Economia Solidária comercializou alimentos e artesanatos produzidos pelas organizações e comunidades.

A carta final da Jornada enfatizou o papel dos jovens e das mulheres: “Firmamos o compromisso aqui de fortalecer a participação da juventude em nossos espaços e para isso é essencial que os territórios formem e construam atividades com o protagonismo de jovens. (…). Seguimos insistindo na necessidade vital de enfrentar as violências e toda sorte de subalternização das mulheres. Em nossos territórios, as mulheres já ocupam um lugar central de sobrevivência de nosso povo. Estão do plantio à organização da família e da comunidade. É essencial que isto transpareça nas estruturas organizativas e de decisão – na agroecologia a terra é feminina e o papel fundamental é das mulheres”.

Para os participantes do evento, além da agroecologia, a conexão entre movimentos urbanos, rurais e de comunidades tradicionais se dá a partir do “genocídio negro e indígena”.

“Este grande projeto econômico do capital é também um projeto neoextrativista predatório centrado no controle estratégico da terra, água, minério e biodiversidade. Rios morrem, florestas são queimadas, marés são contaminadas, tudo isso em um ritmo cada vez mais acelerado e escancarado, sem a vergonha de esconder o ódio contra nós. Por isso nossos povos e movimentos defendem a mãe terra, a natureza da qual fazemos parte, nos mantém”, diz o documento.

A íntegra da carta final do evento pode ser encontrada no portal oficial da Teia: www.teiadospovos.com.br

Edição: João Paulo Soares