Ceará

Agricultura Familiar

Entrevista |“Energia, crédito e água são pilares e não podem ser afetados por cortes"

A afirmação é do Secretário do Desenvolvimento Agrário do estado do Ceará, Francisco De Assis Diniz

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Após uma trajetória sindical, Francisco De Assis assumiu a pasta no Ceará
Após uma trajetória sindical, Francisco De Assis assumiu a pasta no Ceará - Celso Aquino \ Brasil de Fato CE

Francisco de Assis Diniz é secretário estadual do Desenvolvimento Agrário, especialista em Gestão Pública e Economia do Trabalho. Encabeçou a expansão da Central Única dos Trabalhadores no Ceará pelo interior cearense e presidiu o Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT) entre 2007 e 2013.


Trajetória política e envolvimento com a questão agrária
Eu venho de uma trajetória do movimento sindical, fui eleito presidente do sindicato ainda muito jovem, no final da década de 1980. Tenho o precedente que minha organização começa dentro da Escola Técnica (atual IFCE), fui recrutado na Escola Técnica pelo então PRC (Partido da Revolução Comunista), para ingressar nos quadros operários, fui portanto para dentro de uma fábrica sobre a orientação organizativa de uma perspectiva política de organizar uma oposição, disputar o sindicato e construir a política dentro do setor metal mecânico no Ceará. 
Do movimento sindical eu também tenho uma experiência com o setor rural e é daí que eu consigo ter uma concepção do conjunto das políticas.  No final do governo do Fernando Henrique Cardoso a pauta era termos a agricultura familiar como central, o fundamento do deslocamento que se tinha, de grandes para pequenos, e de pequenos para agricultores familiares, fortalecimento do associativismo e cooperativismo, e o que era fundamental, o tripé que nós sempre tivemos dificuldade, que era energia, água e crédito com o Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf) ele passa a se constituir como uma política de fato.

Energia, crédito e água para agricultura familiar 
Já no governo do Lula, no seu primeiro governo se cria uma estrutura dentro do ministério para ter uma política de desenvolvimento da agricultura familiar, concatenada a essa política nós tivemos várias outra ações, ela nasce dentro de uma perspectiva de fortalecer o território, portanto, a territorialização de todas as ações de governo, seja no âmbito municipal, estadual ou federal era levado a efeito. Havia uma enorme carência de uma rede elétrica para dar acesso ao mundo moderno, aquela lógica de você não poder ter uma máquina de lavar, um fogão, um liquidificador, uma televisão, talvez fosse muito pouco, mas isso, a rede elétrica, que era um dos pontos do tripé, ele funcionou para impulsionar e economia e criar dentro da economia um círculo virtuoso, porque eu vou levar isso para produção, a produção vai gerar emprego, eu vou arrecadar, e eu vou ter consumo disso. Então essa era uma das pontas, foi equacionada com a Luz para todos. 
A segunda era que o Pronaf nasceu com 1,8 bilhões, era muito pouco, parte desse recurso, estava, uns 80% a 85% concentrada para o setor mais organizado do país, exatamente o sul, concentrando o Paraná, Santa Catarina (SC) e Rio Grande do Sul (RS). Então nós saímos 1,8 bilhões de reais para chegar ao final do Pronaf com quase37 bilhões de reais. 
O terceiro, até hoje é um grande problema, que se chama, água. Porque nós temos uma força trabalho vasta, disponível, mas não tinha como completar, e o modelo adotado das grandes irrigações, dos pivôs, das inundações, não concatenava com a necessidade da carência de água, então nós tivemos que desenvolver tecnologias sociais, daí vem uma parte, um apêndice desta política que foi a campanha de Um Milhão de Cisternas. Todos diziam que jamais nós iríamos construir um milhão de cisternas. Um milhão de cisternas foram construídas, foi realizado, hoje é uma realidade, só no Ceará nós temos 278 mil cisternas executadas, seja pelo governo do estado, seja pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), seja pela Fundação Banco do Brasil junto com a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). Esta dinâmica fortaleceu a agricultura familiar, criou uma indução para que a agricultura familiar, principalmente de sequeiro, ela tratada com uma atividade econômica.”


Vinculação da liberação de recursos à Reforma da Previdência 
Nós ao longo dos anos tivemos um aporte significativo de recursos dos programas do governo federal, dos mais diferentes, do [programa] Água para Todos, das cisternas, de caprinos, de ovinos, de mel, de estradas vicinais, de tudo que você possa imaginar, nós tivemos. Agora, estamos sentido sim esse momento de dificuldade, é o momento que a priorização do debate é vincular tudo à reforma da previdência, se não tiver reforma, não tem crédito. 
Nós sentimos tudo isso na pele, embora tenhamos tido uma boa presença em Brasília junto aos ministérios, no Ministério da Cidadania, acenando com a possibilidade de retomada das cisternas, mas ainda não conseguimos. No Ministério do Desenvolvimento Regional nós tivemos grandes ações, a gente também tem tentado furar essa bolha, no entanto, do ponto de vista macro, a nossa economia está indo para um campo de fragilidade. O anuncio de 3.4% de crescimento do PIB já caiu pra 1.8% do PIB e todos falam que nós podemos caminhar para um período de estagnação econômica e uma recessão muito violenta tendo em vista que a nossa economia de base, a nossa indústria de base aliás, ela já chegou a ser 26%, caiu pra 22%, chegou a 19% e hoje está em 17% que é o melhor termômetro pra se medir o processo de desenvolvimento das forças produtivas, a indústria de base é aquilo que circula a economia.

Agricultura e Pecuária
O Ceará atravessou sete anos seguidos com uma dificuldade pluviométrica enorme. Seis anos severos de seca e este último ano, tivemos índices de algumas regiões que estão acima da média histórica, não é que ele esteja dentro da média para garantir o padrão, está acima da média histórica como a região norte, metropolitana, o centro sul e serras, com condições bastante adequadas, mas onde nós necessitávamos de volumes além da média, nós ficamos abaixo, que é na bacia do salgado, no Cariri como um todo, na bacia do Jaguaribe, alto Jaguaribe, principalmente e no açude Banabuiú, essas regiões os índices são baixos, tanto é que o açude Orós nós vamos chegar com 7.38 e no açude Castanhão com 5.61.
Para além de água, nós vamos ter uma boa safra de grãos, vai ter um crescimento de 7.55, principalmente nos grãos. O milho é o maior exponencial disso, mas ouve crescimento do amendoim, do feijão, da mandioca, enfim, nós vamos ter condições de dizer que a safra vai ser aumentada e dado um suporte razoável. 
Outro elemento que é importante, não na agricultura, mas na pecuária, é o suporte forrageiro, então nós vamos ter uma boa base de suporte, a secretaria atuou no sentido de conferir a esses agricultores tecnologia. Nós introduzimos a palma, só no ano passado foram 7,8 milhões de raquetes de palma distribuídas, aí você dimensiona que quando eu utilizo a palma como base da alimentação eu reduzo em 42% do uso de água para o rebanho e aumenta a proteína e a capacidade de produção de leite, então é tecnologia chegando no agricultor. Nós fizemos, paralelo a isso, uma política de mecanizar a agricultura familiar, dos 1.747 tratores entregues ao longo dos 20 anos, 182 tratores foram entregues só no último ano.

Projeto Paulo Freire 
O projeto Paulo Freire tem uma atuação voltada, prioritariamente, para dois públicos, mulheres e juventude. Ele está atuando hoje, em três regiões, Inhamuns e Crateús, Norte-Sobral e no Cariri-Oeste. Nós priorizamos as mulheres e os jovens, porque a mulher tem uma capacidade organizativa muito mais consequente que os homens, onde uma associação é presidida por uma mulher e outra que é presidida por um homem, onde tem uma tesoureira e tem um tesoureiro, há um destaque organizativo da associação presidida e dirigida por uma mulher que a do homem, não querendo contudo dizer que os homens não tenha essa capacidade, mas do ponto de vista estatístico esta é uma realidade, não temos como refutar. 
Segundo pela juventude, a juventude precisa estar no campo, e com esta inversão que se teve é preciso dar a esse jovem um olhar, primeiro foi feito um percurso para que ele tenha o entendimento do que é o carácter de classe, qual a perspectiva da associação, como ele faz pra acessar políticas púbicas, nós fizemos todo um treinamento, de formação, que culminou com o Festival de Juventude, nós fizemos cinco Festivais, vamos concluir agora com a jornada da juventude em Fortaleza, entre os dias 15 a 17 de junho. 
Nós vamos investir mais de 180 milhões de reais, nos mais diferentes métodos de organizar a produção, incluímos setores para que tenha o avanço da técnica, principalmente reuso de águas cinzas, aplicação de biodigestores, que faz com que estes avanços do mundo estejam a serviço daqueles produtores, mas nós temos projetos produtivos de galinha, de porcos, de caprinos, de ovinos, de bovinos, de mel, de produção de hortifrutigranjeiro, tem produção de popa de fruta, então há um leque muito grande, e o que nós passamos a observar é que, quando você atua dentro de uma cadeia produtiva em um determinado território, você potencializa. 
Nós não estamos trabalhando com CPF, estamos trabalhando com CNPJ, priorizamos e hierarquizamos o trabalho com as associações. quando se pega uma associação e nela você manda que as pessoas que tinham uma visão do eu, do eu vou fazer, eu vou fazer, eu vou fazer e passa a colocar na mesa o nós, para debater qual a melhor pauta, pra discutir qual o melhor projeto produtivo, pra discutir qual o melhor investimento, e culminou com o acesso às informações tecnológicas, porque as associações receberam uma torre, receberam computador e estão tendo que acessar todas as suas dimensões e suas necessidades através do mundo da internet, então vai ter internet, vai ter computador, vai ter torre, para que aquelas pessoas possam se qualificar, e, dentro desse percurso nós qualificamos várias pessoas para fazerem processo licitatório, não é a secretaria que faz, a gente repassa o dinheiro par a associação e dentro da associação é feito a tomada de preço, a tomada de cotação e as licitações. Então esses dois públicos, eles nos deram uma segurança de garantia de longevidade dos projetos.”

Atuação
Uma das nossas principais ações é fazer com que haja uma visão sistêmica da secretaria. Nós temos três entidades vinculadas à secretaria, uma que cuida da terra, que é o IDACE, uma que cuida da assistência técnica e da extensão rural que é a EMATERCE e uma que cuida da gestão da comercialização que é a CEASA e elas não se comunicam com os dois grandes projetos, que é o Paulo Freire e o projeto São José. A primeira percepção é fazer com que haja um diálogo, segundo que esta atuação ela tem que ser de forma integrada, sistêmica, e que você possa ter uma atuação dentro de uma região, um território, este território atuar dentro de uma cadeia produtiva, e esta cadeia produtiva tem que ter foco no comércio.
Produzir isso tudo e não levar pra comercialização, você quebra, então é, território, cadeia e comércio, isso nos dará e nos levará a uma atuação onde vamos transformando e agregando valores para as pessoas. Se você não constituir para o mercado, você vai tratar a agricultura familiar como uma atividade de subsistência ou uma atividade assistencial, ela tem seu caráter de subsistência, ela pode e deve ter o carácter de assistência, mas ela é, eminentemente, econômica. Aqui na secretaria temos os melhores técnicos do estado, com uma capacidade extraordinária, o que a gente precisa agora é fazer essa indução, fazendo com que haja uma sinergia e que essa sinergia, aos nossos 365 mil agricultores familiares, seja impulsionada para o desenvolvimento integral, territorial, mas com sustentabilidade.

Edição: Monyse Ravena