Abril Vermelho

Matriarcas da luta pela terra abrem Jornada Universitária no Ceará

Conferência “Mulheres e Terra no Ceará” apresentou memórias de mulheres que construíram luta pela Reforma Agrária no CE

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Mesa composta por camponesas aconteceu no Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Mesa composta por camponesas aconteceu no Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará (UFC) - Comunicação MST-CE

Maria Lima, Isaltina, Genoveva, Ana, Maria Bia, Maria de Jesus, Cleomar, Graça. Nomes próprios de mulheres que desde muito protagonizam a luta pela terra e por Reforma Agrária no Ceará, são mesmo matriarcas dessa luta e vêm de regiões diferentes do estado. Na última sexta-feira (05) elas ocuparam a mesa do auditório Rachel de Queiroz, no Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará (UFC). Na plateia, muitos estudantes e professores ouviam atentamente os relatos de vida e luta dessas mulheres. A atividade marcou a abertura da VI Jornada Universitária em defesa da Reforma Agrária no Ceará (JURA).
Maria Lima tem 82 anos, ocupou e até hoje mora no Assentamento 25 de Maio, na cidade de Madalena, no sertão central cearense, o primeiro assentamento do estado que, junto com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Ceará, completa 35 anos em 2019. Maria Lima, como várias das matriarcas, conheceram o MST através da ação pastoral da igreja. Antes de ajudar a construir o Movimento no Ceará, já convivia com a fome e a revolta das pessoas. Pediu dinheiro, viu saques, dormiu na rua e foi aí, no ambiente da miséria, que foi aprendendo a organizar o povo para lutar por seus direitos, “O MST é uma luta abençoada”, afirma. Maria Lima também conta que a música era companheira constante na preparação das ocupações, foi aí que ela compôs algumas canções, entre elas um verso que diz: “nós queremos é lutar por terra e pão, nós queremos a nossa libertação”.
Isaltina e Genoveva Lopes são irmãs de sangue e de luta. Sertanejas do município de Canindé, lutaram desde a ocupação do Assentamento Santa Helena. Como suas companheiras, passaram fome, chegando até a matar um boi do patrão para alimentar famílias famintas. Foram presas e só libertadas com a intervenção do então Arcebispo de Fortaleza Dom Aloísio Lorscheider. 
Dona Maria Ana da Silva veio do Cariri cearense, do Assentamento 10 de Abril, no Crato, para nos contar suas memórias da luta pela terra e por direitos. Ela lembra do ex-presidente Lula e da importância de seus governos para os camponeses e camponesas. Lembra da infância e da falta de oportunidade de estudar, “quem estudava era filho de fazendeiro, eles estudavam e a gente ia plantar cana”. Mas os olhos de Ana brilham mesmo quando fala de agroecologia, de como cultiva suas plantas, vende na feira, ensina a outros e a outras.
Maria Bia veio do Assentamento Lagoa do Mineiro, no município de Itarema, região litorânea. Já enfrentou pistoleiros, muitas vezes na luta pela conquista da terra: “Nós vivíamos no mato, se escondendo. Eu sobrevivi, mas quatro companheiros foram mortos nos cinco anos de perseguição que enfrentamos. Mas, mesmo assim, eu não abri e não abro mão da terra por nada. Criei meus filhos dentro da luta e, hoje, os três são do MST”.
Um dos companheiros de Maria Bia mortos por pistoleiros na luta pela terra era Francisco Barros, na época marido de dona Maria de Jesus, que hoje mora no Assentamento Melancias, em Amontada, também na região litorânea do estado. Francisco Barros foi assassinado com dois tiros e depois degolado. Se tornou um dos símbolos da luta pela terra no Ceará. Maria de Jesus criou nove filhos com a ausência do pai, mas com a presença de muitos companheiros e companheiras. “Nós somos testemunhas uma das outras, nossas histórias se cruzam”, disse ela.
Também da praia vem Maria das Graças Nascimento, do Assentamento Maceió, em Itapipoca. A área tornou-se Assentamento em 1984, travando uma luta histórica com o ex-governador, hoje senador, Tasso Jereissati (PSDB). Mas, em 2002, Graça conta que a terra foi ameaçada novamente, dessa vez pelo empresário Júlio Pirata, que alegava ser o dono das terras próximas ao mar. A comunidade se mobilizou mais uma vez e, desde 2007, na beira do mar existe e resiste o Acampamento Nossa Terra. “Se a terra é nossa mãe, o mar é nosso pai e não vamos deixar ele ser roubado de nós, que sobrevivemos da pesca”, conta Graça. 
Cleomar Ribeiro começou ressaltando que, talvez, fosse a mais jovem entre as matriarcas. Ela veio da comunidade do Cumbe, em Aracati e, apesar de jovem, tem uma larga história de defesa de seu território. O Cumbe fica localizado em uma região cobiçada por empresas de energia eólica, que não esperavam encontrar uma comunidade tão resistente. “Nós resistimos e resistiremos na luta pelo nosso território, estamos em processo de reconhecimento como comunidade quilombola e vamos seguir nossa luta”, afirma.
No Ceará, a JURA segue com atividades por todo o estado durante os meses de abril e maio. As matriarcas deram pistas para a Universidade, de que há muitas histórias para contar e experiências camponesas para conhecer, escritas e feitas pelas mãos dessas e de outras mulheres.
 

Edição: Marcos Barbosa