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Conheça os profetas da chuva que vivem no semiárido brasileiro

Mudanças em árvores, pássaros, insetos e estrelas podem ser sinais de boa chuva no semiárido

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Estátua de Padre Cícero, em Juazeiro do Norte-CE.
Estátua de Padre Cícero, em Juazeiro do Norte-CE. - ASA Brasil

No Semiárido brasileiro, o inverno já está se aproximando. Quando árvores sangram, pássaros constroem ninhos mais resistentes e a posição das estrelas muda, é sinal de chuva no sertão. Já faz tempo que os institutos de meteorologia existem, mas é nas comunidades rurais do semiárido que vivem os profetas da chuva. Assim são chamados homens e mulheres de diversas idades que vem aprendendo e repassando a cada geração como reconhecer os sinais de chuva. Existem três linhas de percepção: as mudanças na fauna e flora, a posição dos astros no céu e os sonhos. 
José Nilson Oliveira vive na comunidade rural de Guassussê, no município de Orós, na região centro-sul do Ceará. Aos sete anos de idade ele começou a aprender a observação das mudanças na caatinga quando ia chover, sempre ensinado pelo avô “Eu ajudava meu avô, que trabalhava com fumo e todo dia ele me contava uma historinha, me contava dos invernos, e eu fui juntando uma coisa com a outra. Tenho lembranças dos sete anos que parece que foi ontem”. Hoje, aos 68 anos, ele não erra uma previsão de chuva, tudo observando a movimentação de animais, como o joão de barro, pássaro que constrói uma nova casa sempre que o período de chuvas se aproxima; a análise das flores de mandacaru, que chegam anunciando um período de chuvas e a observação de corpos celestes, como a posição da estrela d’alva e de uma constelação que eles chamam de Arca de Noé, que quando aparece de cabeça para baixo indica um bom período de chuvas no período que os agricultores chamam de inverno, que dura de dezembro a maio.
Dona Josefa vive no sertão sergipano. Agricultora e guardiã de sementes, ela também se intitula como uma guardiã desses sinais da natureza. Além do profetas, o grupo, gosta de se apresentar também como guardiões e guardiãs de saberes populares. Desde criança, Josefa aprendeu a olhar com o pai a movimentação das estrelas na madrugada de passagem de um ano para outro. Era nesse dia do ano que ela e o pai ficavam até o amanhecer observando a posição das constelações que já conheciam e tentando entender outros possíveis sinais. Uma outra forma de prever chuvas era observando meses anteriores “Meu pai sempre dizia que no mês de agosto tinha que ter pelo menos seis dias seguidos de chuva”, o que segundo ela era um bom sinal de chuvas durante os próximos meses.
A previsão para 2019 não é das mais otimistas. E não são apenas José Nilson e Dona Josefa que dizem. Todos os anos, no dia seis de janeiro, dezenas de profetas se reúnem no Ceará no Encontro de Profetas da Chuva, que há sete anos reúne dezenas de profetas ou guardiões e centenas de visitantes para compartilhar conhecimentos e fechar uma previsão de chuvas para o ano com base nas observações de cada um. Em 2019, os profetas afirmaram que ainda não vai ter chuva do jeito que os agricultores gostam, mas que vai ser o suficiente para encher os reservatórios, barreiros e cisternas, como aconteceu em 2018.
Além do consenso em relação a previsão de chuvas, os agricultores vêm percebendo a relação entre as mudanças climáticas no semiárido e a destruição do meio ambiente por atividades como o agronegócio e a mineração, como explica José Nilton “O homem foi quem causou uma grande parte disso. Há uma grande dificuldade de água e eu creio que isso que é causado pela devastação da floresta” conclui.
*A repórter viajou a convite da Articulação Semiárido Brasileiro
 

Edição: Monyse Ravena