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Representatividade

Pantera Negra: "Eu sou herói, eu sou rei"

Filme evidencia aspectos do povo negro que geralmente não estão na mídia

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |

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Longa mostra que assim como a branquitude, a negritude tem o direito de ser complexa
Longa mostra que assim como a branquitude, a negritude tem o direito de ser complexa - Divulgação

Há pouco tempo, um apresentador de uma grande rede de televisão, branco, falou sobre o valor da representatividade durante uma passagem ao vivo. “Isso não importa”, disse. No entanto, um dos mais recentes sucessos do universo cinematográfico da Marvel Comics, o filme “Pantera Negra”, veio para dar um recado seco, direto: representatividade importa sim.

Feito por uma equipe quase toda negra – diretor, elenco, produtores –, o longa retrata a história de um rei. Um rei de pele preta que contraria o olhar branco no mundo do cinema: não é marginalizado, não vem de um continente pobre, de um povo sofrido que espera seu salvador. “Ver esse filme faz a gente sentir que está valendo a pena, sabe?” define Elissandra Flávia dos Santos, locutora, editora da revista Canjerê e uma das organizadoras de uma sessão especial do longa que, destinada apenas ao público negro, fez uma sala inteira lotar.

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“Parece clichê, mas é por conta da representatividade que eu despertei para questões raciais”, declara a jornalista. E para além do despertar coletivo, como ela relata, a sessão tinha como objetivo acender a felicidade e o orgulho, tão presentes no povo negro, mas tão pouco estimulados.  

O ator e educador popular Evandro Nunes estava presente e fez daquela a quarta vez que viu o filme. Uma das coisas que mais chamou a sua atenção foi unir a exaltação da ancestralidade, um dos pilares da cultura africana, com o novo e a juventude. “Retrata uma África tecnológica, um continente futuro, com um trono de metal, mas tem o chão de barro batido. O poder vem das plantas, do conhecimento tradicional – coisas que muita gente vê como arcaicas, burras, subdesenvolvidas –, mas sem deixar de lado toda essa potência da inovação que é nossa também. É um tapa na cara de quem ainda é racista. É dizer ‘não é a partir do seu olhar que eu sobrevivo’”, ressalta.

Para Evandro, o filme acerta ao retratar personagens profundos, que não são só bons ou ruins, mostrando que assim como a branquitude, a negritude tem o direito de ser complexa. “Tem uma história na África que diz que quando você nasce, é feita uma canção para você. E ela é sempre lembrada em todos os momentos da sua vida. Quando você erra, você é levado para o centro de uma roda e as pessoas cantam essa canção para fazer você se lembrar de quem é e de onde veio. Esse filme me fez sentir assim”, diz. E ele recorda um pensamento que vira e mexe volta à cabeça desde que saiu do cinema: “eu sou herói, eu sou rei”.

Soberania

Na opinião do rapper mineiro Roger Deff, outro ponto positivo é o modo de falar do continente africano como autossuficiente com toda a sua riqueza natural. E apesar da ficção, ele acredita que o país imaginário que é cenário para o filme, Wakanda, é uma metáfora para questionar o que a África poderia ter sido sem a colonização.  “Vários países do mundo não seriam assim tão pobres, tão dependentes da tecnologia estrangeira se não fosse a história de exploração. É uma produção divertida, que é comercial e tem alcance, mas que tem muito conteúdo, gera identificação. Não me recordo de outros filmes que tenham nos tratado fora do contexto de sofrimento. O Pantera Negra fala da dor, mas como um efeito colateral de uma bagagem histórica”, reflete o músico.

Curiosidades:

O filme bateu recordes de bilheterias por todo o mundo. O público negro lotou sessões nos mais diversos lugares, reagindo com gritos e aplausos.

Por Roger Deff: quando criança, o rei de Wakanda tinha no quarto um pôster do grupo Public Enemy, um dos principais do rap mundial. A trilha sonora foi produzida pelo rapper americano Kendrick Lamar, que é famoso pela musicalidade e por não fugir de temas espinhosos em suas letras. O rapper brasileiro Emicida também foi convidado para escrever uma letra para o filme, que se chama "Pantera Negra".

Edição: Joana Tavares